Por Ana Gabriela Burlamaqui

Lei nº 15.222/2025: avanço na licença-maternidade ou correção de uma lacuna histórica

A promulgação da Lei nº 15.222, de 2025, representa mais do que uma simples alteração normativa: trata-se de um marco na consolidação da política de proteção integral à maternidade, à infância e ao direito à licença-maternidade no Brasil.

norma modifica a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei nº 8.213/1991, para determinar que o tempo de internação hospitalar da mãe ou do recém-nascido seja acrescido ao período de 120 dias da licença-maternidade, garantindo que o afastamento só comece a ser contado a partir da alta hospitalar.

Essa alteração, embora pontual na redação legislativa, produz impactos profundos no sistema de proteção social brasileiro, na cultura corporativa e na efetividade dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição de 1988, especialmente os previstos nos arts. 6º (direito à maternidade e à infância), 7º, XVIII (licença-maternidade de 120 dias) e 226 a 229 (proteção à família e à criança).

Licença só após alta: avanço legal e proteção real

O direito à licença-maternidade foi introduzido na CLT em 1943 e consolidado pela Constituição de 1988, mas, até a nova lei, a contagem do benefício se iniciava na data do parto, independentemente da condição de saúde da mãe ou do bebê.

Essa lógica desconsiderava a realidade de gestações de risco, partos prematuros ou internações prolongadas em UTI neonatal — situações nas quais o convívio familiar, justamente o bem jurídico protegido pela norma, era inviável.

O Supremo Tribunal Federal, em decisões paradigmáticas, já havia reconhecido a insuficiência desse modelo. No RE 1.210.503/SC (Tema 1.097 da Repercussão Geral), o STF firmou entendimento de que o período da licença deve ser contado a partir da alta hospitalar, em observância aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção integral da criança (art. 227 da CF). Assim, a nova lei não apenas inova — ela positivou uma construção jurisprudencial consolidada, conferindo uniformidade e segurança jurídica ao tema.

Para mães que enfrentam internações prolongadas, a alteração representa um avanço concreto e humanizador. Até então, muitas perdiam parte significativa da licença enquanto o bebê permanecia hospitalizado, o que frustrava a finalidade do instituto.

Nova regra fortalece vínculo materno e desafia empresas

Agora, a nova contagem assegura que o período de afastamento cumpra sua função biopsicossocial: permitir o restabelecimento da mãe, o vínculo afetivo, o aleitamento materno e a adaptação familiar.

Além disso, a medida contribui para a saúde mental materna, reduzindo a incidência de depressão pós-parto e ansiedade decorrentes da separação precoce. Do ponto de vista da política pública, reforça o compromisso do Estado com o desenvolvimento infantil saudável, em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, art. 7º) e com as Convenções 103 e 183 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que recomendam prazos de afastamento adequados à recuperação pós-parto e ao aleitamento.

Há, contudo, reflexos para o setor empresarial. A Previdência Social continua responsável pelo custeio do salário-maternidade. No entanto, a ampliação do período de afastamento pode gerar efeitos organizacionais relevantes. Esses impactos tendem a ser mais significativos em empresas com maior proporção de trabalhadoras mulheres — ainda minoria em muitos setores — ou em micro e pequenas empresas com estruturas reduzidas.

O desafio empresarial não é apenas financeiro, mas de gestão e cultura corporativa. A adequação às novas regras exigirá planejamento prévio de substituições, políticas de retorno gradual e ações de acolhimento pós-licença, evitando impactos negativos na produtividade e no clima organizacional.

Maternidade estratégica exige ajustes e regulamentação

Por outro lado, as empresas que adotarem uma abordagem estratégica — enxergando a maternidade como investimento social e reputacional — poderão colher ganhos expressivos em retenção de talentos, diversidade de gênero e imagem institucional. A norma, portanto, impulsiona uma nova agenda de compliance social e ESG, alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 5 e 8 da ONU).

Apesar dos avanços, a lei deixa questões práticas em aberto. Entre elas:

  • o marco inicial da contagem quando há divergência entre a alta da mãe e a do bebê;
  • a comprovação de internações sucessivas (em caso de readmissões); e
  • a articulação entre a licença-maternidade e o salário-maternidade perante o INSS e o eSocial.

Esses temas tendem a gerar judicialização pontual. Por isso, o governo precisará regulamentá-los por meio de decreto presidencial, instrução normativa do INSS ou orientação do Ministério do Trabalho e Emprego.

Enquanto essa regulamentação não ocorre, a jurisprudência e as práticas empresariais assumem o papel de construir soluções razoáveis e equilibradas. Para tanto, devem se orientar pelos princípios da razoabilidade, da boa-fé e da finalidade social da norma (art. 5º, LINDB).

A alteração legislativa é muito bem-vinda e aproxima o Brasil das boas práticas internacionais em matéria de proteção à maternidade. Países nórdicos, como Suécia e Noruega, adotam modelos de licença parental compartilhada, permitindo que ambos os pais usufruam de períodos flexíveis de afastamento. No Canadá e em parte da União Europeia, há políticas que combinam licença remunerada, jornada reduzida e retorno escalonado, incentivando a corresponsabilidade familiar.

Lei reforça cuidado coletivo e dignidade na maternidade

Embora a Lei nº 15.222/2025 não trate da licença-paternidade, sua edição abre espaço para um novo debate. Ela impulsiona a discussão sobre licenças parentais ampliadas e igualitárias, reforçando que o cuidado com a criança não deve recair exclusivamente sobre a mulher.

A Lei nº 15.222/2025 vai além da mera ampliação de prazos. Ela humaniza o tempo jurídico, aproximando o direito do tempo biológico e afetivo da maternidade. A nova lei consolida um novo paradigma de proteção social integral. Com isso, o cuidado com a infância e a maternidade passa a ser reconhecido como responsabilidade coletiva e expressão de cidadania.

A nova lei representa, portanto, um avanço civilizatório. Ela transforma em norma o princípio da dignidade da pessoa humana, reafirma o valor social do trabalho e redefine o papel das empresas, do Estado e da sociedade na promoção de uma maternidade digna, segura e efetivamente protegida.

Artigo originalmente publicado em RHpraVOCÊ. Clique aqui para ler.

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