Por Ana Gabriela Burlamaqui e Liane Garcia
Licença paternidade no Brasil: entraves e perspectivas de mudança
A discussão sobre a licença paternidade no Brasil permanece atual e urgente. Em que pese termos tido algum progresso cultural e legal, na prática o que se observa é a concessão um período extremamente curto de afastamento para os pais, em contraste com evidências científicas que comprovam os benefícios da presença paterna nos primeiros dias de vida do bebê.
Ainda vivenciamos uma realidade marcada por resquícios de uma sociedade patriarcal. Note-se que a licença maternidade foi instituída em 1943, pela CLT, e posteriormente teve seu período ampliado pela Constituição Federal, enquanto a licença paternidade somente surgiu com a Constituição de 1988. Apesar dos avanços sociais e legais, cotidianamente permanecemos atribuindo exclusivamente à mãe o cuidado com a casa e com os filhos, reservando ao pai o papel de mero provedor.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua/IBGE, 2022) revelam que as mulheres dedicam, em média, 21,3 horas semanais a tarefas domésticas e ao cuidado de pessoas, enquanto os homens contribuem com apenas 11,7 horas. Assim, mesmo com a mulher cada vez mais presente no mercado de trabalho, continua-se a perpetuar a cultura de que o homem deve sustentar financeiramente a família, enquanto a mulher assume a criação dos filhos e a administração da casa.
Presença paterna: um direito, um impacto social
Essa desigualdade se evidencia quando se compara a licença maternidade, de 120 dias, à licença paternidade, de apenas 5 dias, excluindo a figura paterna de um período tão relevante do desenvolvimento do bebê e sobrecarregando a mãe, que, além de se recuperar do parto, é responsável pela amamentação, além de, na maioria das vezes, se preparar para voltar ao mercado de trabalho.
O bebê, além de demandar cuidados constantes, provoca mudanças significativas na rotina da casa, exigindo adaptação de toda a família. Desta feita, o período neonatal é fundamental para a reestruturação familiar, demandando a presença e dedicação de ambos genitores no lar.
Sob o ponto de vista legal, a Constituição Federal, em seu artigo 227, estabelece como dever da família, do Estado e da sociedade assegurar os direitos da criança e do adolescente, reforçados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).
A ampliação da licença paternidade, ao possibilitar maior participação do pai, contribui para estabelecer novos padrões sociais. Quando o homem se engaja nos cuidados com o filho e divide responsabilidades do lar com a mulher, fortalece-se o vínculo afetivo familiar e promove-se uma parentalidade mais responsável e igualitária, que efetivamente distribui as atividades domésticas e de cuidado entre homens e mulheres.
Esse movimento também reforça o escopo jurídico da preservação dos direitos da criança e do adolescente. Estudos mostram que crianças com pais presentes no dia a dia se desenvolvem melhor física e emocionalmente, apresentando menor incidência de problemas de saúde e comportamentais.
Equidade na licença: inclusão e dever social
Além disso, é necessário estender essa proteção a todas as famílias, como casais homoafetivos e famílias monoparentais. A diferença entre licenças maternidade e paternidade gera tratamento desigual, especialmente para famílias formadas apenas por indivíduos do sexo masculino, legalmente reconhecidos como pais.
É certo que o afastamento de empregados implica custos para os empregadores, exigindo reorganização do trabalho e, por vezes, novas contratações. Entretanto, atualmente esse ônus recai majoritariamente sobre a Previdência Social.
Por outro lado, cabe às empresas, em função de sua responsabilidade social, investir em equidade. Países que ampliaram direitos trabalhistas registraram ganhos em engajamento, produtividade, saúde física e mental dos empregados, além de melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
A principal mudança para os empregadores é de ordem financeira, já que a ampliação da licença paternidade pode demandar contratações temporárias. Contudo, esse impacto pode ser mitigado por políticas públicas de compensação. E, sob outra perspectiva, a equiparação ajuda a reduzir a discriminação de mulheres no mercado de trabalho, uma vez que a licença deixa de ser um fator de desequilíbrio nas contratações.
Portanto, a discussão não deve se restringir ao período ideal de licença, mas sim à mudança de um padrão social. A paternidade responsável deve ser compreendida como dever do homem, e não como benefício ou auxílio.
Paternidade ativa: justiça social começa no lar
A ampliação da licença paternidade representa não apenas um avanço jurídico em direção a famílias mais igualitárias e a uma sociedade mais justa, mas também um pilar para a isonomia entre gêneros e para a construção de estruturas familiares capazes de formar indivíduos mais equilibrados e preparados para os desafios da vida.
Não se pode negar que o pai desempenha papel crucial no desenvolvimento infantil, indo além da função de provedor financeiro. Sua presença garante carinho, afeto, cuidado e referência de comportamento, fatores que influenciam diretamente a formação do caráter e da personalidade da criança.
O convívio paterno estabelece uma relação de confiança essencial, que confere segurança à criança para explorar o mundo, favorecendo sua aprendizagem e socialização. Negar esse convívio significa desconsiderar princípios constitucionais basilares de proteção à infância. Ademais minimiza a importância do pai para o desenvolvimento biológico e social do filho, além de postergar o desequilíbrio social e a falta de equidade.
Artigo originalmente publicado em RH pra VOCÊ. Clique aqui para ler.