O custo invisível da maternidade e da equidade no trabalho

Durante décadas, o direito à creche foi tratado como uma obrigação burocrática ou um “benefício extra” concedido às mães que retornam ao trabalho após a licença-maternidade. No entanto, ao reduzir esse direito a uma questão meramente estrutural ou a uma cortesia empresarial, acabamos ignorando seu real significado. Afinal, sem esse suporte, a equidade no trabalho e maternidade ficam seriamente comprometidas, já que a creche representa um dos pilares fundamentais para a permanência da esmagadora maioria das mulheres no mercado de trabalho no Brasil.

Desde 1967, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece, em seu artigo 389, que empresas com pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade devem oferecer local apropriado para a guarda e assistência de filhos no período de amamentação. Com a Lei nº 14.457/2022, que criou o Programa Emprega + Mulheres, essa obrigação ganhou nova forma: os empregadores passaram a poder substituir a exigência da estrutura física pelo pagamento do reembolso-creche.

Garantia legal da creche ainda enfrenta desafios

O que já era possível por meio de normas coletivas, agora está positivado. E, mais importante, passou a abranger todos os empregados e empregadas com filhos de até 5 anos e 11 meses de idade — um passo essencial para reconhecer que o cuidado com as crianças não pode continuar sendo tratado como responsabilidade exclusiva das mulheres.

Ainda assim, o que se vê na prática, infelizmente, é o não cumprimento da norma. Por exemplo, muitas empresas com 30 ou mais colaboradoras mulheres em seus quadros simplesmente não oferecem nem espaço físico e muito menos reembolso. Além disso, a exigência continua sendo atrelada à quantidade de mulheres, ignorando a diversidade das configurações familiares e, consequentemente, a real dinâmica da parentalidade atual no Brasil.

Além da ausência de fiscalização, há também a desinformação. É comum que trabalhadoras sequer saibam que têm direito ao reembolso ou aos dois períodos de 30 minutos para amamentação durante a jornada — direito garantido pelo artigo 396 da CLT – e que pode, inclusive, ser convertido em redução da carga horária por acordo individual.

A Justiça do Trabalho, por sua vez, tem consolidado esse direito com firmeza. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já reconheceu inclusive o direito a danos morais coletivos em casos de descumprimento sistemático da obrigação legal, destacando a gravidade da omissão e sua repercussão sobre os direitos fundamentais de mulheres e crianças. 

Creche e equidade: um direito essencial ao progresso

É preciso entender que o direito à creche – constitucionalmente previsto, vale lembrar – não se limita a um espaço físico para deixar os filhos. Mais do que isso, trata-se de garantir a permanência no mercado, permitindo, de fato, o acesso à ascensão profissional. Isso também evita que a maternidade se transforme em um fator de penalização para as mulheres. Além disso, representa um passo essencial para avançar rumo à equidade de gênero.

Se o setor produtivo brasileiro realmente deseja mais mulheres em cargos de liderança, maior diversidade em seus conselhos e produtividade aliada à inclusão, primeiramente, precisa começar pelo básico. Afinal, sem essa estrutura inicial, a equidade e o crescimento ficam comprometidos. Assim, muitas vezes, esse básico está em um berçário, uma saleta de amamentação ou no valor justo reembolsado de uma creche.

Estamos tratando aqui de um direito social constitucional de proteção à maternidade e à infância, pelo qual se busca a proteção dos direitos da criança no início de sua vida. Ademais, esse direito deve ser sempre interpretado como intransigível e irrenunciável.

Ignorar isso é perpetuar uma desigualdade que custa caro — para as empresas, para a economia, para as mulheres e, principalmente, para o desenvolvimento do país. 

Equidade no trabalho e maternidade_foto da autora

Por Ana Gabriela Burlamaqui, sócia do escritório A. C. Burlamaqui Consultores. Graduada em Direito pela PUC-RJ em 1994. Especialista em prevenção e administração de riscos trabalhistas (IBMEC). Curso de extensão em inglês jurídico e contratos no direito Americano (PUCRJ). Pós-graduada em direito digital, LGPD e compliance trabalhista (EMD). Diretora da Associação Carioca de Advogados Trabalhistas entre 2009 e 2015. Conselheira Suplente OAB/RJ entre 2016 e 2021. Membro da 1ª. Câmara Especializada OAB/RJ desde 2019. Conselheira Efetiva OAB/RJ a partir de 2022. Membro da CJT-OAB/RJ a partir de 2025. 

Artigo originalmente publicado em RH Pra VOCÊ. Clique aqui para ver.


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