O devido processo legal está previsto no nosso ordenamento jurídico no art. 5º, LIV da CF/88. É um direito fundamental de aplicação imediata, nos termos do § 1º do art. 5º da CF/88.

Segundo Fredie Didier Jr. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, v. 1, p. 48.): “o devido processo legal é um direito fundamental de conteúdo complexo”.
Há dentro do devido processo legal importante desdobramento: o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV da CF/88), que devem ser observados por todos aqueles que façam parte do processo: seja ele legislativo, administrativo ou judicial.
A defesa das partes envolve o direito de produzir provas, inclusive de não produzir provas contra si mesmo, um dos princípios gerais de direito, que estão previstos no art. 4º da Lei de Introdução do Direito Brasileiro – LINDB.
As provas constituem o elemento mais importante para elucidar a solução da lide – tanto mais no processo do trabalho, eminentemente fático – e devemos lembrar que, o que não está nos autos do processo não está no mundo, “quod non est in actis non est in mundo”, segundo o brocado latino.
As provas em espécie (Art. 369 do CPC) se dividem basicamente em documental, pericial, oral (testemunhal). Podemos ter outras modalidades, novas, encampadas pelo CPC, a exemplo da notarial, de aplicabilidade à seara processual laboral.
A prova testemunhal é um dos meios de prova mais utilizados no direito processual do trabalho como um todo, e não só no processo judicial. É o caso do “processo de multa administrativa”, decorrente “da fiscalização, da atuação e da imposição de multas” pelo Ministério do Trabalho. A previsão específica quanto às testemunhas é encontrada nos arts. 629, § 1º e 632, ambos da CLT.
A prova testemunhal é um meio de convencimento extremamente antigo e, segundo Manoel Antonio Teixeira Filho (TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Manual da audiência na Justiça do Trabalho. p. 366):
“Visto sob o aspecto histórico, o testemunho constitui, juntamente com a confissão, o mais antigo meio de prova judiciária. Alguns Códigos primitivos, como o de Manu, bem assim como determinadas leis (egípcias, gregas, romanas) priscas continham disposições acerca da prova testemunhal e do valor que ela representava para a demonstração da verdade dos fatos”.
Sob o ponto de vista da etimologia da palavra testemunha, temos: “pessoa que é chamada a depor sobre aquilo que viu ou ouviu” (CUNHA, Antonio Geraldo. Dicionário etimológico da língua portuguesa, p. 767.)
O conceito de testemunha pode ser dado da seguinte forma: é aquela pessoa física – necessariamente distinta das partes envolvidas no processo (causa de impedimento, nos termos do art. 447, § 2º, II, do CPC)– chamada a Juízo para depor acerca de determinado (s) fato (s) – sobre os quais pende o litígio.
Nem toda pessoa pode prestar depoimento como testemunha no processo (em geral). Da mesma forma, no processo do trabalho. Existe previsão específica no art. 829, da CLT, quanta a essas pessoas. Porém, em nosso entender a previsão celetista é incompleta. Nesse caso, então, faz-se necessário o suplemento por meio do CPC, conforme o art. 447.
As hipóteses de incapacidade e impedimento seguem critérios objetivos, ao passo que na hipótese de suspeição identificamos situações subjetivas. São os casos de inimizade, amizade íntima e interesse no litígio.
Segundo a Súmula 357, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho: “Não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador”, ou seja, o fato da testemunha possuir ação trabalhista, por si só, não faz prova de interesse no litígio.
A parte pode contraditar a testemunha, arguindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição. O Diploma Consolidado não prevê a contradita, de modo que é necessário utilizarmos o CPC para tal (art. 457). A contradita, sob o ponto de vista conceitual, nada mais é do que um óbice ao depoimento da testemunha, desde que presentes os requisitos legais.
Há casos em que a mesma testemunha é utilizada em várias ações com diferentes autores em face do mesmo réu, ou pelo réu em face de diversos autores diferentes, sendo a hipótese denominada usualmente como testemunha contumaz.
Não há impedimento ou suspeição legalmente estabelecidos para o simples fato da testemunha ser contumaz, ou seja, prestar depoimento sobre fatos em diversos processos, em qualquer esfera administrativa ou judiciária.
Todavia, há de se averiguar e inquirir sobre os fatos que realmente a testemunha tenha presenciado, dada a grande possibilidade de não ter a lembrança exata de detalhes sobre a relação jurídica mantida entre as diferentes partes envolvidas em tantas lides, além da possível predisposição de interesse na causa, já que se dispõe a depor em várias ações diferentes, por vezes perdendo horas e horas do seu dia.
Uma testemunha utilizada em diversos litígios corre o risco de prestar depoimentos conflitantes, já que é difícil que se creia possuir informações relevantes sobre vários fatos que envolvem as diversas relações jurídicas.
Na seara trabalhista, a contradita por interesse na causa e/ou troca de favores, deve ser robustamente comprovada, mormente pelo que dispõe a já citada Súmula 357 do C. TST.
Há de se destacar que, ainda que a contradita da testemunha contumaz seja acolhida, o juiz poderá ouvi-la como informante, a teor do art. 829 da CLT.
A jurisprudência analisa com extrema prudência a alegação de suspeição de testemunha por suposto interesse na causa e/ou troca de favores, havendo necessidade de prova robusta para acolhimento da contradita sob este fundamento.
CERCEAMENTO DE DEFESA. TESTEMUNHAS. SUSPEIÇÃO AFASTADA. TROCA DE FAVORES NÃO PRESUMIDA, A contradita de testemunha baseada na alegação de suspeição, por suposto interesse na causa, deve ser efetivamente comprovada, de modo a evidenciar a ausência de isenção de ânimo do depoente ou de efetiva troca de favores, não sendo suficiente a mera presunção de imparcialidade ou troca de favores. (TRT-1 – RO: 01015567020175010010 RJ, Relator: ANGELO GALVAO ZAMORANO, Data de Julgamento: 28/01/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: 07/02/2020)
“INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA COMO INFORMANTE. CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO. Ocorre cerceamento de defesa se alguma das partes tem obstado indevidamente seu direito constitucional de produzir provas nos autos. Todos os meios de provas admitidos em direito não são benefícios exclusivos das partes, e sim do Poder Judiciário, para que se proceda um julgamento justo e seguro das questões que envolvem qualquer processo. Vale dizer: a prova dos autos deve satisfazer tanto o convencimento motivado do julgador de primeira instância, quanto o convencimento motivado do julgador de segundo grau, sob pena de violação aos princípios do convencimento motivado, do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal. O depoimento testemunhal deverá ser colhido sob pena de cerceamento de prova. Nulidade que se acolhe.” (Processo Nº ROT-0010722-85.2021.5.03.0184– 3ª Reg. – 1ª T. – Relator Adriana Goulart de Sena Orsini DEJT-MG 20.07.2022, pag. 436)
Todavia, entendemos que, apesar da inexistência de impedimento ou suspeição legal para utilização de testemunha contumaz, há risco desta testemunha prestar depoimentos conflitantes com outros já prestados, cujo teor poderá ser utilizado como prova cabal na arguição da contradita e demonstração da falta de isenção e o animus de beneficiar a parte que convidou a testemunha para depor em juízo, acarretando a ineficácia e enfraquecimento da produção da prova, além do risco da testemunha ser responsabilizada por dano processual, conforme art. 793-D da CLT.
Resumidamente, há que se analisar com extremo cuidado a idoneidade dos depoimentos prestados por testemunhas chamadas contumazes, que repetidamente se dispõem a atuar em função que notoriamente não é ‘agradável’ a quem quer que seja.
Adriana de Menezes Gonçalves Moreira e Ana Gabriela Burlamaqui de C. Vianna
Sócias A.C. Burlamaqui Consultores
Referências Bibliográficas:
CUNHA, Antonio Geraldo. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2011. Volume 1.
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho de acordo com o novo CPC. 9. ed. São Paulo: LTr, 2015.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Manual da audiência na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2010.