Veículo e colunista foram condenados por matéria sobre valores recebidos por magistrada. Grupo afirma que vai recorrer

A 13ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre condenou, na última quarta-feira (21/5), a jornalista Rosane de Oliveira e o grupo RBS, controlador do jornal Zero Hora, ao pagamento de R$ 600 mil por danos morais à desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Segundo o grupo RBS, o jornal e a jornalista vão recorrer.

A sentença, proferida pela juíza Karen Rick Danilevicz Bertoncello, considerou que a matéria publicada em 26 de julho de 2023 no jornal Zero Hora, intitulada Quem são os magistrados que mais ganharam em abril no RS – Presidente do TJ-RS lidera o ranking com R$ 662.389,16”, induziu os leitores ao erro ao apresentar a cifra como remuneração mensal ordinária, quando, na realidade, tratava-se de um pagamento pontual e indenizatório, autorizado legalmente e resultante de verbas acumuladas ao longo de décadas de serviço.

Segundo a magistrada que assinou a decisão, “a narrativa enviesada e sensacionalista […] fomentou a incompreensão do público leigo”, agravada pela “omissão deliberada dos esclarecimentos oficiais prestados pela assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul”. Assim, a decisão entendeu que reportagem assinada por Rosane extrapolou os limites do direito à informação ao distorcer o caráter de pagamentos recebidos pela magistrada, promovendo desinformação e afetando sua honra e imagem.

Além da indenização por danos morais, a RBS e a colunista foram condenadas ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. A quantia de R$ 600 mil deverá ser corrigida monetariamente a partir da data da publicação da reportagem (26/07/2023) e acrescida de juros de 1% ao mês.

Decisão

Para a juíza, embora os dados fossem verídicos e amparados pela Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), o uso parcial e descontextualizado das informações violou a dignidade da autora e configurou abuso do direito de informar. “A liberdade de imprensa, embora essencial à preservação da democracia, não se sobrepõe de maneira irrestrita à dignidade da pessoa humana”, afirmou na sentença, que pode ser conferida aqui.

Para Bertoncello, a matéria do Zero Hora omitiu que os pagamentos foram realizados com base em autorização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que mais de 5 mil magistrados e servidores foram beneficiados, muitos com recebimento parcelado. A autora, segundo nota institucional omitida na reportagem, teria optado pelo recebimento em cota única.

A juíza ainda comparou a matéria com a outros veículos, que, segundo ela, trataram da mesma pauta sem expor nomes e com divulgação integral da nota do TJRS. Conforme seu entendimento, a colunista Rosane de Oliveira optou por personalizar a crítica, “com linguagem sarcástica e direcionada”.

A repercussão da matéria foi “intensa”, argumentou Bertoncello, com manifestações ofensivas em redes sociais, veículos de imprensa e entidades de classe. A publicação teria “ampliado a vulnerabilidade da autora enquanto ocupante de cargo de liderança no Poder Judiciário”.

O artigo 31 da LAI, que impõe restrições à divulgação de dados que envolvam honra e vida privada, salvo em caso de interesse público evidente, é citado na sentença. A juíza sustentou que “a divulgação de informações públicas não pode ser instrumentalizada como ferramenta de manipulação narrativa, ainda que sob o manto da transparência”.

A íntegra da decisão também pode ser consultada pelo número do processo 5021409-45.2024.8.21.0001 no TJRS.

Procurado, o grupo RBS disse, em nota, “que o jornal Zero Hora e a jornalista Rosane de Oliveira irão recorrer da decisão de primeiro grau”. “Reafirmamos a defesa da liberdade de expressão e informação como princípios fundamentais da democracia, em especial na divulgação de conteúdo amparado no interesse público, a partir de informações disponíveis pela Lei de Acesso à Informação”, diz.

Sandro Schulze, advogado mestre em Direito Civil e sócio do escritório A. C Burlamaqui Consultores, vai na mesma linha: a sentença está correta, “uma vez que restou evidenciada a repercussão negativa da publicação, a distorção dos fatos e o evidente desvio da função informativa do jornalismo”, mas o montante da indenização deveria ser revisto. “Ainda que seja incontestável o direito à reparação moral, a quantia fixada se mostra excessiva à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade”, diz.

Artigo originalmente publicado em JOTA. Clique aqui para ler


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