É imperativo que as empresas e os profissionais do ramo estejam atentos aos
detalhes da legislação e às estratégias necessárias para superar os desafios, visando
a preservação das atividades empresariais
Por Sandro Schulze
04/06/2024 05h03

No atual cenário empresarial, observa-se uma notável elevação nos pedidos de recuperação judicial, um fenômeno intrinsecamente ligado às significativas mudanças implementadas pela Lei n.º 14.112/2020. Esse marco legislativo, desenhado para preservar a função social das empresas e fortalecer a proteção aos devedores, tem exercido um papel relevante tanto no âmbito jurídico quanto econômico.

O processo de solicitação da recuperação judicial segue um procedimento específico: inicialmente, a empresa expõe ao juiz a situação patrimonial e as causas da crise enfrentada. Uma vez deferido o processamento do pedido de recuperação judicial, inicia-se o chamado stay period de 180 dias, durante o qual todas as execuções em face da empresa são suspensas.

Posteriormente, a empresa, aqui já chamada de recuperanda, elabora um plano de recuperação judicial, passando por diversas etapas de reestruturação financeira. Os credores, por meio de uma assembleia-geral, avaliam a viabilidade do plano, decidindo por sua aceitação ou rejeição. Caso o plano seja aceito, e cumpridas as exigências da lei, o juiz concede a recuperação judicial.

Uma das mudanças mais relevantes foi o incentivo à mediação, um instrumento que visa solucionar conflitos de forma mais ágil e consensual. Além disso, a prorrogação do stay period por mais 180 dias, desde que o devedor não tenha concorrido com a superação do lapso temporal, aparece como uma ferramenta crucial para a estabilização financeira.

Outro ponto de destaque foi a substituição das deliberações da assembleia-geral de credores por um termo de adesão, simplificando o processo de aprovação do plano de recuperação.
Em paralelo às mudanças legislativas, a pandemia da covid-19 desempenhou um papel significativo no aumento dos pedidos de recuperação judicial. O ano de 2023testemunhou pedidos notáveis de empresas como Americanas, Light, Oi e Grupo Petrópolis, evidenciando a amplitude dos desafios enfrentados pelo setor empresarial.

No que diz respeito ao agronegócio, a crise parece estar em ritmo mais acelerado. Segundo dados do Serasa, o Brasil registrou 127 pedidos de recuperação judicial em2023, representando um aumento de 525% quando comparado com o ano anterior.

O que se observa, na verdade, é uma junção de alguns fatores.
Nos anos de 2021/2022, o Brasil teve a maior produção rural da história e as commodities atingiram um valor altíssimo no mercado. Os produtores rurais, por sua vez, para atender a alta demanda, acabaram tomando empréstimos com juros baixos para alavancar o negócio e de fato o setor teve um ano com um resultado muito positivo.

Mas em 2022/2023 o que se viu foi algo bem diferente. Apesar de uma safra também em larga escala, o valor das commodities entrou em declínio e os produtores acabaram postergando a venda dos produtos na expectativa de uma retomada dos valores.

E o oposto acabou acontecendo. O preço caiu ainda mais e chegou determinado momento em que os produtores foram obrigados a vender a produção com um enorme prejuízo.

A safra de 2023/2024 seguiu com o mesmo problema de declínio do valor das commodities e ainda enfrentou um fator adicional: vários Estados tiveram perda da produção em razão de alterações climáticas. Destaque-se, também, que a taxa de juros subiu exponencialmente e os produtores, com safras e lucros menores, não conseguiram honrar os compromissos assumidos.

Viu-se, assim, um efeito dominó, ou seja, o produtor rural não pagou a revenda e está, por sua vez, não pagou fornecedor, resultando na busca do Poder Judiciário com pedidos de recuperação judicial, principalmente dos produtores.

Além de todas as questões destacadas, o aumento dos pedidos de recuperação judicial decorreu, também, da alteração legislativa que passou a vigorar em 2021,como acima ressaltado. Com a mudança da Lei n.º 11.101/2005, o produtor rural foi contemplado com a possibilidade de apresentar um plano especial de recuperação judicial, desde que a dívida não ultrapasse R$ 4,8 milhões.

Mato Grosso lidera atualmente o ranking de pedidos de recuperação judicial, talvez por ser o maior produtor rural do país, com alto percentual de arrendamento de terras, e um dos Estados mais atingidos pelos problemas climáticos. Analisando a cotação da soja, por exemplo, nos últimos dois anos, pode-se observar uma queda de aproximadamente 40% no valor de mercado.

Algumas medidas são apontadas como forma de socorrer os produtores rurais, dentre elas a disponibilização de novas linhas de crédito, com taxa de juros diferenciada, um alongamento do prazo para pagamento das dívidas e o fortalecimento do seguro rural.

Essas medidas demandariam um orçamento extra do tesouro nacional que, segundo estudos, ficaria na casa de R$ 1,5 bilhão.

Nesse contexto, é imperativo que as empresas e os profissionais do ramo estejam atentos aos detalhes da legislação e às estratégias necessárias para superar os desafios, visando a preservação das atividades empresariais e o fortalecimento do setor econômico do país.

Sandro Schulze é sócio do escritório A. C. Burlamaqui Consultores, mestre emDireito Civil Contemporâneo pela PUC-RJ e especialista em Direito CivilConstitucional pela UERJ

Artigo originalmente publicado em Valor Econômico

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