O relacionamento entre colegas de uma mesma empresa não é proibido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas algumas restrições são estabelecidas.
Há quase quatro anos, Sabrina Giacomelli mudou de cidade para trabalhar em uma drogaria em Mirante do Paranapanema (SP). O que ela não imaginava era encontrar, além de um emprego, o amor.
A farmacêutica engatou em um relacionamento com Jhonattam Rocha, que é o gerente dela. Entre outras funções, ele é o responsável por repassar ordens aos funcionários, mas em casa a história é outra: é Sabrina quem dita as regras.
“No trabalho, ele passa algumas ordens, às vezes dá uma bronca e lá eu tenho muito respeito por ele. Mas, em casa, eu sou um pouco mais autoritária, já consigo e posso mandar um pouco mais”, afirma a farmacêutica, apesar de o namorado dela defender que há um equilíbrio entre os dois.
Sabrina e Jhonattam precisaram de coragem para tornar o relacionamento público. É que, apesar da rede de farmácias não ter uma política que proíba o namoro entre funcionários, outro casal que já havia se formado no estabelecimento causou problemas e foi transferido para outra unidade.
“A gente tentou esconder para ninguém perceber. Era até engraçado porque, na frente de todos, fingíamos não ter muita intimidade (…) A gente também ficou com medo de acontecer alguma coisa e ser transferido, mas graças a Deus nunca aconteceu nada”.
➡️ Mas as empresas podem proibir o namoro entre colegas de trabalho?
A resposta é não. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não impede o relacionamento afetivo entre colaboradores de uma mesma empresa.
A intimidade e a vida privada são direitos constitucionais de todos os brasileiros. Com isso, a restrição de um namoro pode ser entendida como uma prática abusiva e contrária aos princípios da dignidade humana e da vida privada, garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Angélica Pesseti e Lucas Nogueira, por exemplo, não enfrentaram problemas ao anunciar que estavam em um relacionamento. O casal trabalha para uma instituição financeira, em setores diferentes, em São Paulo.
“Os dois trabalham no sistema híbrido, pelo menos uma vez na semana, trabalhamos juntos em casa. É bem tranquilo. Cada um tem o seu ambiente de trabalho, eu no quarto e ela aqui (na sala)”, conta Lucas, que é analista de middle office.
Mas, já que as empresas não podem proibir o namoro entre funcionários, elas têm a permissão de criar políticas que impeçam a contratação de cônjuges? O g1 conversou duas advogadas trabalhistas para explicar essa e outras dúvidas.
1. As empresas podem banir a contratação de cônjuges?
A contratação de cônjuges ou parentes próximos pode ser regulada pelas empresas para evitar possíveis situações de nepotismo ou conflitos de interesse.
No entanto, uma proibição desfundamentada pode ser considerada excessiva e discriminatória, o que viola a previsão da Constituição Federal de igualdade de tratamento.
Mas se a empresa justificar a proibição de forma específica e contextualizada, mostrando que a contratação de cônjuges pode gerar riscos para a administração imparcial ou outros problemas operacionais, ela pode ser considerada válida.
2. Demonstração de afeto no trabalho pode gerar demissão por justa causa?
Sim. Apesar de o empregador não poder proibir relacionamentos afetivos entre funcionários, as regras internas podem vedar a demonstrações públicas de afeto no ambiente de trabalho, especificamente físicas, segundo a advogada trabalhista Ana Gabriela Burlamaqui.
Nesse sentido, desde que as políticas internas sejam devida e previamente divulgadas, o funcionário que descumprir as regras pode sofrer sanções disciplinares e até rescisão do contrato.
3. Um casal que mantinha a relação em segredo pode ser demitido por justa causa?
A empresa não pode demitir por justa causa os envolvidos unicamente com base na existência do relacionamento, a menos que uma política interna tenha sido desrespeitada por eles.
Para isso, o empregador precisa provar que houve a violação, pontua Ana Gabriela.
Vale ressaltar que, se a norma for considerada abusiva ou discriminatória, o casal pode buscar reparação na Justiça do Trabalho.
4. O empregado que for demitido por namorar um colega de trabalho pode pedir indenização?
Sim. Se um funcionário for dispensado por namorar um colega de trabalho e não houver qualquer regra interna que tenha sido desrespeitada, ele pode recorrer à Justiça do Trabalho para questionar a demissão e pedir indenização por dano moral.
Para que o pedido seja acolhido nesses casos, o trabalhador deve provar que a dispensa foi discriminatória e que causou danos à sua honra e dignidade.
5. Um casal de funcionários pode requerer expedientes semelhantes?
Casais que trabalham em empresas que funcionam aos finais de semana e feriados podem solicitar que os seus horários sejam compatíveis, explica Ana Gabriela.
Porém, a empresa não é obrigada atender, a menos que exista alguma norma interna ou acordo coletivo que estipule essa possibilidade.
6. Os casais podem pedir férias em períodos semelhantes?
Podem, desde que não provoquem prejuízos às suas operações.
Apesar de caber ao empregador decidir o período mais conveniente para a concessão das férias, o artigo 136 da CLT também prevê que ele deve considerar os interesses do funcionário.
Dessa forma, se um casal solicitar férias no mesmo período e isso não comprometer o funcionamento da empresa, é provável que o empregador aceite o pedido.
Esse é o caso de Angélica e Lucas, o casal que citamos acima. A instituição bancária para a qual trabalhar liberam os colaboradores para se alinharem sobre o tempo de folga.
Em alguns casos, acordos coletivos ou normas internas podem prever tal possibilidade de maneira mais explícita, facilitando a conciliação entre os interesses das partes.