À vista dos recentes debates no judiciário quanto às contratações pelo modelo de franquias precisamos avaliar as premissas que envolvem esse modelo negocial adotado por tantos hoje no Brasil e no mundo.
Estamos vivendo um novo movimento econômico mundial e, não podemos dissociar isso, de seus reflexos nas relações comerciais e trabalhistas da cadeia produtiva em geral.
A maneira de comunicação ao redor do mundo mudou; não nos comunicamos mais por aparelhos fixos em nossos lares, não precisamos mais alugar um filme para assistirmos com a família, os celulares, os serviços de streaming e tantas outras inovações; todos estes avanços tecnológicos trouxeram uma mudança de relacionamento interpessoal e de visão global. O mundo hoje é globalizado, por conseguinte, as relações de trabalho também mudaram.
Nesse aspecto, cumprir horários, receber ordens, ter um salário fixo, pode não ser mais o sonho dessa geração. Pode parecer inseguro e até mesmo desrespeitoso para você que nasceu com o dever de ser um médico, advogado ou engenheiro, mas para aqueles que nasceram ou que pelo menos tem esse espírito de inovação, ter limitações burocráticas, isso sim, pode ser algo desrespeitoso.
Carreiras como de Youtuber, digital influencer, jogador de futebol, e tantas outras, são profissões regidas por contratos com liberdade de escolher quando irão gravar um novo vídeo, quais reuniões irão realizar e quando, qual reality show irão participar, qual clube querem iniciar ou encerrar as suas carreiras. E, são desejados, incentivados e aplaudidos por muitos.
Nessa perspectiva, de novas modalidades de trabalho e suas especificidades, temos as franquias, que é um modelo de negócio regulamentado no Brasil desde 1994. Atualmente o sistema de Franquia no Brasil está regulada pela Lei 13.966/2019 e é amplamente utilizado em diversos segmentos, tais como: lojas, restaurantes, seguros e diversos outros ramos, como uma forma de empreender com a segurança e garantia de uma marca sólida no mercado, além da transmissão de todo know-how pela franqueadora.
Nesse aspecto de mudanças culturais, econômicas e financeiras, as relações jurídicas vão se aprimorando. Tais mudanças estão nos perfis dos próprios profissionais que não querem mais se vincular a submissão celetista, mas sim, ter amplitude negocial e gerenciamento de suas próprias carreiras, fruto de uma globalização e visão de futuro adaptada a novas realidades.
A par daqueles que defendem que os contratos realizados entre empresas sejam – per se – violadores de direitos trabalhistas, temos uma justiça forte e ativa. A inafastabilidade do Poder Judiciário garante àqueles que, de alguma forma, se sentirem lesados através de seu direito de petição, acione o Estado para dirimir conflitos. Direitos de ambas as partes estão sim preservados.
Por outro lado, as relações interempresariais, sem nenhuma relação empregatícia, independente da presença de alguns dos (antigos) elementos do contrato de trabalho, vem sendo cada vez mais difundidas e aceitas pelo judiciário brasileiro.
Como exemplo, temos alguns precedentes da Justiça do Trabalho, afastando a declaração de existência de vínculo de emprego e, por conseguinte, aplicando o disposto no art. 1º, da Lei 13.966/2019, sendo juridicamente válido o contrato de franquia firmado entre empresa franqueadora e franqueada, demonstrando que está atenta às novas perspectivas de modelos de trabalho:
“…A diferença entre trabalho autônomo e subordinado baseia-se na forma como o trabalho é prestado, cabendo observar se o trabalhador possui ou não o poder de direção da própria atividade, como explicitado por Amaury Mascaro Nascimento (in: Curso de Direito do Trabalho, Ed. Saraiva, 7ª ed. p.310.) Neste aspecto, sendo o contrato de trabalho um contrato realidade, o que importa é o modo como a prestação de serviços se desenvolve no dia a dia, na realidade fática, sendo certo que, a fim de estabelecer a situação jurídica, o exame há de se deter sobretudo na dependência/subordinação jurídica, uma vez que os outros elementos que caracterizam o empregado (pessoalidade, não eventualidade da prestação de serviços e remuneração) também existem no caso do autônomo. In casu, a reclamada logrou êxito em desvencilhar-se do ônus probatório imposto pelos arts. 818 da CLT e 373, II, do CPC, restando evidenciado nos autos que a prestação de serviços ocorria de forma autônoma…” TRT2 – RO -1001324-28.2019.5.02.0077. R.M.A x Prudential do Brasil Seguros de Vida S.A.
“É próprio do contrato de franquia o estabelecimento de diretrizes e acompanhamento do modo de prestação de serviços. É legítimo um certo grau de ingerência da empresa franqueadora do desempenho do franqueado, sendo certo que, para chegar ao ponto de desvirtuá-la, levando-a ao reconhecimento da relação de emprego, a sua intensidade há de ser incompatível com o conceito de autonomia.” TRT3 – RO – 0010468-48.2021.5.03.0173 F.R.M.F X Prudential do Brasil Seguros de Vida S.A.
“(…) Não se pode desconsiderar que trabalhadores qualificados e bem remunerados têm, via de regra, plenas condições de avaliar a conveniência de prestar serviços a outrem fora dos moldes da típica relação de emprego. Tem, muitas vezes, amplo poder de negociar a forma como irão trabalhar e inclusive de impor ajustes individuais. Enxergar estas relações agarrando-se à ótica que imperava em meados do século passado é ignorar o dinamismo das relações de trabalho, desprezando as enormes variações no equilíbrio de forças que regem as mais diversas relações de trabalho. Nestes casos, há que se prestigiar a boa fé contratual, convalidando a modalidade pactuada, aceita ante a perspectiva, logo confirmada, de expressivos rendimentos mensais.” TRT3 – RO – 0010033-69.2019.5.03.0165 P.M.B.B.A. X Prudential do Brasil Seguros de Vida S.A.
Nessa temática, a contrariedade de novos modelos contratuais pode causar consequências econômicas e sociais indesejáveis, pois investir capital em um país engessado em suas convicções dissonantes das modernas relações de trabalho, poderia até inviabilizar o prosseguimento das empresas no Brasil. Abaixo trecho da matéria da revista Exame que trata sobre as franquias no Brasil e seus impactos:
“…também melhorou a geração de empregos: com 1.411.319 pontos de trabalho, o setor de franquias cresceu 12,1% em relação a 2020 e, mesmo quando comparado a 2019, teve aumento de 3,9%. Esse é o melhor resultado em pelo menos cinco anos e, para efeito de comparação, havia 217.751 menos vagas ocupadas em 2017, quando o setor registrava 1.193.568 empregos. Segundo os dados da ABF, cada franquia foi responsável, em média, pela geração de oito empregos diretos em 2021.”
Negligenciar debates como este pode significar viver permanentemente à margem da evolução comercial mundial e ir de encontro a própria autonomia de vontade do ser humano, mormente aquele altamente especializados que compreende as normas que regem uma relação contratual civil, acabando por ignorar o preceito constitucional básico da livre iniciativa.
A boa-fé objetiva contratual e autodeterminação em seu viés dentro dos direitos humanos, são requisitos necessários nas relações interpessoais, garantindo a legalidade e validade de todos os atos jurídicos.
O Brasil não pode assistir passivamente às mudanças globais, em termos de trabalho e evolução, nem tampouco cair nas velhas fórmulas para competir com a economia internacional; seria desenhar um futuro de fracasso. Por isso, vêm em boa hora as últimas reflexões da nossa Corte Maior quanto ao tema que estava quase por ser condenado ao flagelo eterno, qual seja, a legalidade das contratações entre pessoas jurídicas nas relações que envolvem trabalho e mercado emergente de franquias.
Fernanda da Silva Correa e Ana Gabriela Burlamaqui de C. Vianna | Sócias A.C. Burlamaqui Consultores | www.acburlamaqui.com.br